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Homem indenizará ex por cortar luz e trocar fechadura de casa
A 2ª câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do TJ/SC manteve a condenação de um homem ao pagamento de indenização por danos morais à ex-companheira. O motivo foi a entrada não autorizada no imóvel onde ela vivia, a troca das fechaduras e o corte da energia elétrica, sem decisão judicial. A conduta foi considerada além dos limites do direito de propriedade e violadora do direito constitucional à moradia.
A ação foi inicialmente proposta pelo próprio homem, que pleiteava R$ 26,2 mil por suposta denunciação caluniosa e uso indevido de medida protetiva. Em primeira instância, ambos os envolvidos foram condenados ao pagamento de R$ 3 mil um ao outro por danos morais, com base em comportamentos identificados como abusivos no curso de processo relativo ao reconhecimento de união estável.
O homem recorreu ao TJ/SC, alegando falso testemunho de uma das testemunhas principais, negando a existência de união estável e qualquer conduta ofensiva à honra. Argumentou ainda que a mulher não ficou desamparada, pois utilizou energia emprestada de um vizinho e gás do imóvel. Afirmou também que a casa estaria desocupada havia mais de dois meses, justificando sua entrada para limpeza.
As justificativas foram consideradas insuficientes pelo desembargador relator da apelação. O magistrado ressaltou que o réu acessou o imóvel sem autorização judicial, interrompeu o fornecimento de energia elétrica, substituiu a fechadura e impediu o retorno da mulher, que ficou por dias sem poder trancar a porta, exposta à vulnerabilidade e insegurança.
O relator salientou a necessidade da análise do caso sob a perspectiva de gênero. "Em lides que versam sobre assimetrias de poder ou alegações de discriminação, a análise judicial impõe a indispensável adoção da perspectiva de gênero. Esta não se configura como mera ferramenta interpretativa acessória, mas sim como lente analítica obrigatória da dinâmica fática e para a justa aplicação do direito", afirmou.
A alegação de abandono do imóvel, segundo o magistrado, não se confirmou diante das provas constantes nos autos. O relator também observou que a vara da Família, por meio de decisão mantida após recurso, reconheceu o direito da mulher de permanecer no imóvel.
Na avaliação do relator, o homem agiu de forma abusiva ao usar o direito de propriedade para constranger e prejudicar a ex-companheira, "que foi subitamente excluída do ambiente em que vivia, de forma arbitrária, e exposta a constrangimentos perante vizinhos e demais moradores do edifício".
A tese de falso testemunho por parte do porteiro do prédio também foi descartada. "A tese não se sustenta", concluiu o desembargador, mencionando a ausência de provas que comprometessem a credibilidade do depoente.
O caso também foi analisado à luz da estratégia Darvo - sigla em inglês para deny, attack, reverse victim and offender (negar, atacar e inverter os papéis de vítima e agressor) -, uma prática observada em casos de violência de gênero, em que o agressor busca desacreditar a vítima e inverter as posições no processo judicial.
Por unanimidade, os desembargadores da 2ª câmara Especial de Enfrentamento de Acervos seguiram o voto do relator e mantiveram a decisão de primeiro grau.
Processo: 5010366-86.2022.8.24.0005
Fonte: www.migalhas.com.br