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STJ analisa restituição a fiel que doou mais de R$ 100 mil à Igreja Universal
A 3ª turma do STJ começou a julgar recurso em ação que discute a validade de doações feitas por uma fiel à Igreja Universal do Reino de Deus. O caso envolve a doação de veículo e transferência de R$ 101 mil sem instrumento formal.
O julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Moura Ribeiro.
O caso
Uma fiel ajuizou ação contra a Igreja Universal do Reino de Deus relatando ter passado a frequentar a instituição em 2006, ao lado do marido, motivada por promessas de prosperidade financeira e familiar. Segundo a autora, começou a destinar o dízimo de 10% do salário de gari do companheiro e, posteriormente, valores mais expressivos.
Em 2014, após o casal ser contemplado com prêmio de aproximadamente R$ 1,8 milhão na Loto Fácil, teriam sido transferidos à igreja R$ 182 mil a título de dízimo e, no mesmo dia, outros R$ 200 mil como doação, sem qualquer formalização contratual. Além dessas quantias, continuaram a realizar repasses menores durante cultos.
Com a separação em 2015, a fiel alegou ter doado individualmente um automóvel HB20 e, dias depois, outros R$ 101 mil em espécie, igualmente sem instrumento escrito. Sustentou que, mesmo após anos de contribuições, não obteve o êxito prometido nas pregações e deixou de frequentar a instituição.
Sustentou que uma das doações feita em cheque não foi formalizada por escritura pública ou instrumento particular, conforme exigido pelo Código Civil.
Assim, pediu a anulação das doações realizadas após a separação, com restituição de aproximadamente R$ 171 mil.
Histórico
A 1ª vara Cível de Samambaia analisou os pedidos e declarou nula apenas a doação em pecúnia, por entender que o montante exigia forma escrita para ser válido, conforme prevê o art. 541 do Código Civil.
O magistrado determinou a restituição dos R$ 101 mil, corrigidos e acrescidos de juros. Já quanto ao automóvel, reconheceu a validade da doação, pois o ato fora formalizado em documento com firma reconhecida e testemunhas. Assim, a ação foi julgada parcialmente procedente.
Inconformada, a Igreja Universal recorreu ao TJ/DFT alegando que as contribuições eram ofertas religiosas voluntárias, expressão da fé da autora, e não poderiam ser tratadas como negócios jurídicos civis. Sustentou ainda a ocorrência de decadência, além de defender que, diante da realidade das igrejas, não seria exigível a formalização escrita de cada doação em dinheiro, sob pena de inviabilizar a prática.
A 4ª turma Cível do TJ/DFT manteve a sentença por unanimidade. O relator, desembargador Fernando Habibe, destacou que doações de alto valor devem obedecer à forma prescrita em lei, sob pena de nulidade absoluta, que não pode ser convalidada pelo tempo nem pela vontade das partes.
Ressaltou, ainda, que a liberdade religiosa não afasta a incidência das normas civis e que a fé não legitima a dispensa dos requisitos legais.
Recurso no STJ
Em seu voto, o ministro Villas Bôas Cueva destacou que a doação de R$ 101 mil realizada pela fiel em espécie não observou a forma exigida pelo Código Civil, razão pela qual deve ser considerada nula, com restituição da quantia.
Quanto ao veículo, entretanto, entendeu pela validade da doação, já que foi formalizada de acordo com os requisitos legais.
Assim, o relator manteve o entendimento do TJ/DFT, que havia julgado parcialmente procedente o pedido da autora.
Processo: REsp 2.216.962
Fonte: www.migalhas.com.br