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STJ julga legalidade de interceptação de conversas entre advogado e preso
6ª turma do STJ iniciou o julgamento do HC 855.404, que analisa pedido da defesa de uma mulher condenada por tráfico para reconhecer a ilegalidade das gravações ambientais de conversas entre advogados e clientes realizadas no Presídio Especial de Planaltina/GO.
O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, votou por conceder parcialmente a ordem, ao reconhecer a nulidade da decisão judicial que autorizou a captação genérica de todos os diálogos mantidos no presídio, medida que abrangia indiscriminadamente advogados, familiares, agentes e internos.
Após o voto, o ministro Og Fernandes pediu vista, suspendendo o julgamento.
Entenda o caso
A ré foi condenada por tráfico no âmbito da Operação Veritas, deflagrada em Goiás, que investigou suposta atuação de advogados na intermediação de mensagens entre presos e integrantes de facções criminosas.
Segundo a defesa, as provas utilizadas são ilícitas, pois a condenação teria se baseado em gravações realizadas sem controle de cadeia de custódia e por agentes sem competência investigativa.
A medida teve origem em um relatório de inteligência da Secretaria de Administração Penitenciária de Goiás, que relatava a apreensão de bilhetes entregues por presos a uma advogada, supostamente contendo mensagens destinadas a membros de facções criminosas.
Com base nesse episódio isolado, o diretor do presídio solicitou autorização judicial para a instalação de um sistema de captação ambiental nas salas de atendimento jurídico.
A decisão judicial, proferida em 19 de dezembro de 2019, autorizou a gravação de todas as conversas realizadas no presídio, sem individualizar advogados, presos ou datas específicas.
As gravações foram realizadas de forma contínua, sem que os advogados soubessem que estavam sendo monitorados, e conduzidas por agentes da Polícia Penal, o que a defesa contesta sob o argumento de que o órgão não possui poder investigativo.
Durante a sessão no STJ, os advogados afirmaram que a medida, autorizada pela Justiça estadual de Goiás, "colocou toda a advocacia do Estado no banco dos réus", ao permitir que todas as conversas entre advogados e presos fossem gravadas, sem individualização de investigados nem indícios concretos de crime.
"Todo e qualquer advogado que for ao presídio de Planaltina terá sua conversa gravada, terá sua defesa prejudicada e suas falas distorcidas", sustentou o defensor, classificando a operação como uma afronta às prerrogativas da advocacia e à própria Constituição.
Medida genérica e indiscriminada
Ao analisar o caso, o ministro Schietti ressaltou que a inviolabilidade das comunicações entre advogados e clientes é uma garantia essencial ao exercício da advocacia, mas não pode servir de escudo para práticas ilícitas cometidas pelos próprios profissionais.
"Embora embora se admita a gravação de conversas entre advogados e seus clientes, tal medida somente é cabível quando presentes indícios da prática de crimes, também por aqueles advogados. Ademais, a decisão que autoriza a diligência investigativa deve apresentar a fundamentação idônea e que demonstre, de modo concreto, os elementos que sugerem a atuação ilícita do profissional."
Schietti apontou que a decisão judicial que autorizou a gravação das conversas foi baseada em um único episódio, a interceptação de bilhetes entregues por dois presos a uma advogada, fato que deu origem a relatório de inteligência da Secretaria de Administração Penitenciária de Goiás.
O relator observou ainda que, à época, o presídio contava com apenas três meses de funcionamento, o que reforça a ausência de elementos concretos para uma medida de caráter amplo. Assim, não era razoável ampliar a medida para todos os internos, advogados e visitantes do presídio.
"De um único ato isolado, identificado na investigação, ampliou-se genericamente a medida interventiva da comunicação entre presos e advogados. Não se mostra razoável presumir a continuidade das atividades ilícitas por parte de internos do estabelecimento prisional, tão somente em decorrência de serem membros de facções criminosas."
O relator destacou, contudo, que havia motivo suficiente para justificar a gravação das conversas entre os agentes identificados no relatório e a advogada, "em face dos indícios de seu envolvimento na prática de crimes", mas que essa situação não autoriza a gravação indiscriminada de todos os diálogos mantidos no interior daquele estabelecimento prisional.
"A ausência de fundamentação concreta, portanto, deve ser reconhecida em relação a todas as pessoas que tiveram suas conversas gravadas no estabelecimento prisional em questão e que não estavam indicadas no relatório de inteligência descrito na decisão judicial, em consonância com o art. 580 do CPP."
Diante desse cenário, votou por conceder parcialmente a ordem para reconhecer a nulidade da decisão que autorizou a captação ambiental e dos atos subsequentes, no ponto em que permitiram a gravação de todas as conversas mantidas no interior da unidade prisional, mantendo, contudo, a validade do ato apenas em relação às pessoas citadas no relatório de inteligência.
O julgamento será retomado após a devolução de vista do ministro Og Fernandes.
Processo: HC 855.404
Fonte: www.migalhas.com.br