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TJ/SP afasta utilizar astreintes como custeio de obrigação principal
O TJ/SP, em decisão unânime da 8ª câmara de Direito Privado, deu provimento a agravo de instrumento em ação de fornecimento de medicamentos e afastou a possibilidade de utilizar valores de multa cominatória (astreintes) para custear a obrigação de fazer descumprida.
Segundo o colegiado, a multa tem natureza coercitiva e punitiva, destinada a compelir o devedor a cumprir a ordem judicial, e não se confunde com a indenização por perdas e danos. Com esse entendimento, a Corte reformou decisão de primeira instância que havia autorizado a compensação entre os institutos.
Entenda o caso
O processo teve início em cumprimento de sentença contra a Hapvida Assistência Médica S/A. Na origem, a decisão havia rejeitado impugnação apresentada pela parte agravante e determinou que os valores devidos a título de multa fossem destinados ao custeio da obrigação de fazer inadimplida.
A parte agravante sustentou que houve equívoco na decisão, uma vez que a controvérsia se limitava à execução de valores referentes à multa pelo descumprimento de ordem judicial e honorários advocatícios, não incluindo a obrigação principal.
Argumentou que a multa e a prestação principal possuem naturezas jurídicas distintas: a primeira é coercitiva, destinada a compelir o devedor, e não se confunde com a compensação pelo inadimplemento. Permitir a compensação, segundo a recorrente, estimularia o descumprimento reiterado das decisões judiciais.
Multa não substitui obrigação de fazer
Ao analisar o recurso, o relator Benedito Antonio Okuno destacou que a multa prevista no art. 537 do CPC é um meio de coerção indireta, com natureza inibitória e punitiva, e não se confunde com a indenização por perdas e danos regulada nos arts. 497 e 500.
"A controvérsia central reside na natureza jurídica da multa cominatória (astreintes) e na sua relação com a obrigação principal de fazer. A decisão agravada, ao determinar que o valor da multa serviria para custear a obrigação inadimplida, incorreu em equívoco ao confundir institutos que possuem finalidades e naturezas absolutamente distintas."
Para o magistrado, admitir que as astreintes sejam destinadas ao cumprimento da obrigação principal comprometeria sua função coercitiva e poderia estimular o descumprimento de ordens judiciais.
"A multa é devida pelo simples fato do descumprimento da ordem judicial no prazo estipulado, independentemente da futura conversão da obrigação principal em perdas e danos. Permitir que o valor das astreintes seja utilizado para custear a obrigação principal seria o mesmo que anular seu caráter coercitivo, incentivando o devedor a descumprir a ordem, ciente de que, ao final, o valor pago a título de multa seria meramente abatido do prejuízo que já teria de arcar. Tal entendimento esvazia a força das decisões judiciais e pretere a efetividade do processo."
O relator também citou precedente do próprio TJ/SP que reforça a distinção entre as finalidades: "(...) não comprovada a impossibilidade de cumprimento da obrigação de fazer - Devida a multa cominatória - Razoável o valor fixado - Cabível a execução das perdas e danos (que tem finalidade compensatória, que não se confunde com a finalidade coercitiva da multa cominatória)".
Com esse entendimento, a 8ª câmara de Direito Privado do TJ/SP deu provimento ao recurso, afastando a destinação da multa para o cumprimento da obrigação principal.
O escritório Elton Fernandes Advocacia Especializada em Saúde atua no caso.
Processo: 2084958-11.2025.8.26.0000
Fonte: www.migalhas.com.br