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TJ/SP anula dispositivos que regulam equoterapia para crianças autistas
O Órgão Especial do TJ/SP declarou inconstitionais os arts 4º e 5º da lei municipal 2.198/25 de Irapuã/SP que instituiu o Programa de Terapia Assistida por Equitação para crianças com autismo.
Segundo o Tribunal, os dispositivos representam indevida interferência do Legislativo na organização da administração pública e instituem renúncia fiscal sem a devida estimativa de impacto orçamentário, em afronta a normas constitucionais.
Os demais artigos da lei, no entanto, foram considerados válidos por tratarem da criação de política pública voltada à proteção de grupo vulnerável, sem violar a competência do Poder Executivo.
Entenda o caso
A ação foi proposta pelo chefe do Executivo de Irapuã/SP contra a norma de iniciativa parlamentar que criou o Programa de Terapia Assistida por Equitação, destinado a promover a equoterapia no tratamento de crianças com TEA.
O prefeito apontou vício formal de iniciativa, por tratar-se de matéria que atribui funções a órgãos da administração pública e gera despesas, sem apontar fonte de custeio.
Segundo ele, a norma violaria os princípios da separação dos poderes e da reserva de iniciativa do Executivo, além de conceder benefícios fiscais sem a devida análise de impacto financeiro, o que afrontaria o art. 113 do ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF.
O pedido liminar para suspensão imediata da norma foi indeferido. Em defesa, o presidente da Câmara Municipal alegou que, apesar de pareceres jurídicos apontarem vício de iniciativa, o projeto foi mantido pelo plenário legislativo, mesmo após veto do Executivo.
O parecer da Procuradoria Geral de Justiça foi pela procedência parcial da ação, para declarar inconstitucionais apenas os artigos que impõem atribuições ao Executivo e instituem incentivo fiscal.
Ingerência indevida e falta de estudo orçamentário
A relatora, desembargadora Márcia Dalla Déa Barone, destacou que, conforme o entendimento consolidado pelo STF no Tema 917, é válida a iniciativa parlamentar para leis que instituam políticas públicas e eventualmente gerem despesas, desde que não interfiram na estrutura ou nas atribuições dos órgãos do Poder Executivo.
Contudo, o artigo 4º da lei impugnada atribuía às Secretarias Municipais da Saúde e da Educação a responsabilidade por elaborar diretrizes, promover campanhas e fomentar pesquisas sobre o programa, o que foi considerado ingerência indevida na organização da administração pública.
A relatora fundamentou a inconstitucionalidade desse dispositivo com base nos arts. 5º e 47, incisos II e XIX, alínea "a", da Constituição do estado de São Paulo, que asseguram ao chefe do Executivo a competência exclusiva para definir a estrutura e o funcionamento da administração.
Em relação ao artigo 5º, que institui incentivo fiscal a centros de equitação participantes do programa, a magistrada apontou violação ao art. 113 do ADCT da CF, que exige a apresentação de estimativa do impacto orçamentário e financeiro em proposições que impliquem renúncia de receita, exigência considerada obrigatória também para os municípios.
Direito à saúde de grupo vulnerável
Quanto aos demais dispositivos da lei, a relatora afastou qualquer vício de iniciativa ou violação ao princípio da separação dos poderes. Ressaltou que a norma, ao instituir política pública voltada à proteção de crianças com autismo, trata de direito social constitucionalmente assegurado e de interesse local, não havendo afronta à competência do Executivo.
"O regramento em questão, que institui política pública que visa concretizar direitos sociais, como o direito à saúde, visa garantir a proteção de grupo vulnerável, disciplinando interesse de parcela da população cuja vulnerabilidade é constitucionalmente reconhecida e protegida."
Ainda que a norma possa implicar custos de execução e demanda de pessoal, a relatora considerou legítima a atuação parlamentar na regulamentação de políticas públicas voltadas à promoção da saúde e à inclusão de pessoas com deficiência:
"Ainda que a implementação da política pública sobre a qual versa o ato normativo impugnado possa gerar custos para sua implementação, bem como demanda de pessoal para tanto, é certo que a norma busca dar concretude à tutela e interesse da pessoa portadora do espectro autista, cujos direitos devem ser atendidos, não havendo que se falar em ofensa ao princípio da separação dos poderes."
A relatora também observou que a norma não contraria o regramento federal e respeita os interesses locais da municipalidade, não havendo usurpação da competência concorrente da União e dos Estados, conforme previsto no art. 24, XIV, da CF, que trata da proteção e integração social das pessoas com deficiência.
Com base nesses fundamentos, o Órgão Especial do TJ/SP declarou a inconstitucionalidade dos artigos 4º e 5º da lei municipal 2.198/25, de Irapuã/SP, mantendo válidos os demais dispositivos da norma. A decisão foi unânime.
Processo: 2182106-22.2025.8.26.0000
Fonte: www.migalhas.com.br